terça-feira, 20 de novembro de 2018

Vadia sim, vagabunda talvez...


Eu nunca a vi chorar, nem reclamar, nem falar mal de nada, era uma mulher sorridente que usava um decote de atitude, seu maior compromisso era consigo mesmo, se o tempo passava, ela não parava, nada podia pará-la, ninguém podia detê-la...
Nos seus lábios não cabiam palavras como: desconforto, desassossego, dúvida, especulação, angustia, trabalho forçado, nervoso, impaciência, desperdício, danos, perdas, preguiça, mesquinharia, informal, pejorativo... Machismo brasileiríssimo...
Quando ela tomava um café, começava sua magia, ela respirava fundo fazendo uma força descomunal, girava um dos dedos como varinha de cordão, sentia o cheiro gostoso de café, agradecia aos céus e a terra pela oportunidade, concentrava-se na xícara, não tomava café em copo, devagar se deliciava por poucos minutos com cada gota, com cada solução tomada, com cada gole, a beberagem faz efeito, e com isso, ela renovava assim suas energias e, logo, estava disposta para o trabalho...
Muitas vezes, ela dava-nos a impressão de querer contar tudo, pedia silêncio com um dos dedos, saia de si por um instante ou dois, com um olhar penetrante parecia nos conduzir para seu perto e para seu longe, e lá distante, pensativa, revia um pensamento, uma folha solta e como se descontroladamente chegava ao fim de sua história, quase no fim da narrativa mandávamos voltar para nossas funções...
Olhando da cozinha, eu vi nela uma descrição de Tigresa de Caetano Veloso: “Com alguns homens foi feliz, com outros foi mulher”...
Ela preparava o discurso, uma carta, um bilhete, um torpedo, acho que foi a primeira vez que a vi perder seu rebolado, ela resolveu pensar e pesar as palavras certas... As acepções certas de sua busca, quase no fim de um dicionário...
Não sei se quero continuar isto, as palavras estavam quietas por demais, o silêncio passou de dois instantes, o silêncio invadia tudo, uma aflição crescia, seus sofrimentos me alcançavam, faltavam palavras, ela terminou dizendo:
- Vadia é quem sem se prostitui, leva uma vida amoral ou devassa... Vagabunda é igual à vadia, diferente de rapaliga... Vamos tomar um café, esquecer estas besteiras de uma vez, um amante pode virar um amigo, mas um amigo nunca pode virar um amante...



Jorge Barboza
Escritor e Colunista Social


sábado, 10 de novembro de 2018

Pressão Alta


Quando eu tinha dez anos de idade, minha pressão era onze por sete. Quando completei vinte anos, minha pressão era doze por oito. Atualmente, antes dos quarenta anos de idade, minha pressão oscila muito para manter os treze por nove...
Será que quando eu chegar aos oitenta anos, minha pressão ficaria sem remédio entre dezoito e quatorze?
Para mudar tudo isso, a pressão alta, devo manter a calma, não fumar, não beber álcool, preciso voltar a fazer exercícios físicos, me alimentar bem, dormir bem, cortar o sal da alimentação, evitar doces e frituras... Blá, blá, blá...
Vamos ao momento revelação do texto: quando eu era criança, eu não tive piolho...
Encara essa verdade é muito difícil, sempre ali do meu lado, eu já estava acostumado com as lambidas da morte: gordura abdominal, calvície, secura da pele...

Na verdade, estou no jogo ainda, sem piolhos, voltei pro jogo, ouvindo os conselhos da morte para viver mais, mais e mais... Sem a pena de ninguém, pra frente é que se anda, agora com um novo sentido...


Jorge Barboza
Escritor e Colunista Social