quarta-feira, 20 de março de 2019

Enchente

Infelizmente no último domingo, 10/03/2019, com as chuvas fortes tivemos trinta centímetros de águas claras dentro de casa, uma correria muito grande para erguer os móveis, os papeis, as roupas, as caixas, os brinquedos, os alimentos na parte baixa do armário, os sofás, os tapetes, as gavetas, o fogão, a máquina de lavar roupa, a centrifuga, enfim, tudo que não podia ser molhado...
Já havia anos que não passamos por isso na Vila Floresta, a última grande enchente que peguei em Santo André, no Jardim Bom Pastor, foi em  2006, quando eu ainda cursava o Senai A. Jacob Lafer (também em Santo André).
Ainda me lembro brigando com mamãe, dizendo: não é enchente, não é enchente, não é a enchente de água suja, pelo amor de Deus...
As ideias iam longe, o pensamento tentava não ser realista, ser otimista: não é água de enchente, água ruim que apodrece tudo, água vermelha, água barrosa, água doente, água fedida, água que traz doença, água dolorida, água que corta, água que fere, água que mata... pelo menos dentro de casa... era água de chuva, água clara, água incolor, lágrimas cobriram nos nossos olhos, uma lembrança ruim, um mau pressagio, um furto da vida.
Para nossa surpresa, enquanto esperávamos a água abaixar, pequeninos peixes surgiram na sala de estar, eram da especie Guaru, conhecidos popularmente com Barrigudinhos. Nesse momento lembrei de meus sobrinhos e comecei a recolhe-los, sem pressa, calmamente, lentamente a Mãe Natureza tinha dado suas bençãos...
Vagarosamente, reuni os peixinhos e água foi se esvaindo, minha mãe ria-ria nunca em tantos anos vimos peixes nas enchentes do Bom Pastor, muito menos em nossa sala de estar, a televisão ligada, e as luzes acessas confirmavam a visão, não ofuscavam o pensamento e as emoções.
De forma inesperada havia pequeninas vidas dentro da sala e uma esperança muito forte que logo colocaríamos o juízo no lugar junto com os móveis, todas as coisas estavam em paz e, logo, com a limpeza da casa, uma noite ainda agitada de sono, teríamos o poder de recomeçar criando peixinhos em um aquário.

Jorge Barboza

Escritor e Colunista Social




domingo, 10 de março de 2019

Amor

Quando era criança, ela aprendeu que o amor era um tempero na porta da geladeira indispensável para dar sabor as comidinhas do dia-a-dia, se colocado com exagero doía o estomago, e com sua falta deixava tudo insonso e sem graça...
Acho que foi por isso que ainda adolescente, a menina criou o habito de recortar receitas de revistas de fofocas e cola-las em um grande caderno de capa dura com esmero cuidado, índice analítico e blá blá de escritora renomada... 
Mesmo assim, ela tinha dúvida de onde comprar o amor-amor, nos supermercados entre condimentos como pimenta do reino, canela em pau, cardamomo, cúrcuma, paprica doce, sal marinho, salsinha desidratada, sementes de mostarda... ou  na farmácia entre aspirinas, antialérgicos e vitaminas de uso continuo ou alternado.
O amor podia estar em nova embalagem? Ter novas versões como spray, gel ou líquido?
Quando se viu mulher para casar, não mais namoradeira, foi neste instante, entre pensar-pensar, que encontrou um rapaz, por quem passou a cozinhar mais, viver mais, sentir calafrios, borboletas no estomago, suspirar mais, sonhar mais e tudo mais que só o amor faz pelos enamorados, por fim, entendeu que o amor estava no fazer bem, fazer gostoso tudo... Entendeu que o amor estava no ar e não na geladeira, na pratilheira do mercado ou no estoque da farmácia, ele crescia com proximidade dos dois e ninguém, além deles podia fazer o amor adocicar de mais ou amargar por menos...

Jorge Barboza

Escritor e Colunista Social