sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O Corvo e o Jarro


            O jarro estava em seu lugar com pouquíssima água ao fundo, no seu interior havia muito espaço e chegou um corvo.
            O corvo estava mal, estava padecendo, o que mais queria era uma gota de água.
            A ave foi ao jarro e para seu desespero havia só um fim de água. Diferente de seus antecessores, seus antepassados, como contava ESOPO, o corvo sacudiu o jarro e terminou por derruba-lo no chão, e por muito pouco, não perdeu toda água nos giros descontrolados do jarro.
Rapidamente o corvo meteu o bico pela borda do jarro, alcançou a água, matou a sede, não formou ideia nem fez muitas tentativas.
Com alegria, o corvo levantou o jarro e viu nuvens carregadas precipitadas se aproximarem. Logo haveria mais água pra todos...


Jorge Barboza
Escritor e Colunista Social

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Os morcegos

O almoço da escola já havia sido servido, caminhava, andava, fluía até sua extinção, para o fim, para seu ômega, para seu término, para subir o telhado, para o julgamento final ou juízo final, para um desfecho, para a conclusão, para quase cessação, para as vias de fato, para um último remate, para o limite do epilogo do dia...
            Do outro lado do refeitório escolar, do lado de fora, do lado direito da quadra, tremelicando surgiu três morcegos.
            Acredito que um dos mamíferos voadores era uma generosa mãe enquanto os outros eram seus filhotes desavisados, desprevenidos, cansados, desacorçoados, tentando descansar, tentando ganhar novas forças, depois de longa e duvidosa viagem...
            O barulho era grande como o alvoroço. As crianças da cidade nunca se detiveram com tais criaturinhas marrons, estavam habituados com outros tipos de mamíferos, de ratos com asas: pombos indesejados e sujos pelo pátio...
            Haviam meninas gritando de medo e meninos supersticiosos rezando tentando afastar o malogro, professores estudando de longe os bichos, funcionários espantando os bagunceiros, os baderneiros, os desajustados que tentavam lançar pedras nos animalzinhos.
            No fundo, a morcega estava exausta que fazia o mínimo para resistir e, consequentemente, seus filhotes seguiam de perto seu exemplo.
            Por fim ou para o fim, ou seja, enfim, acabou o almoço e todos os ditos humanos civilizados voltaram as salas de estudo, a quadra esvaziou-se, emudeceu-se, silenciou-se, serenou-se, apaziguou-se, embelezou-se...
            Depois do pôr-do-sol veio à noite e os morcegos foram colher amoras. Eles eram frágeis, frugívoros ou nectarívoros? Eles comeram, comeram, se alimentaram, se nutriram, se alegraram, se compraziam, se festejaram...
            Acordaram e tiveram uma pequena conversa na madrugada. A mãe estava inquieta e irredutível. Os meninos queriam ficar na coluna escolar...
            De fato, a recepção das pequenas pessoas foi a pior, os adultos tinham palavras interessantes e modos fascinantes... O convite era profano, um santo de barro, um santo de pau oco, era questão de horas para mais um desassossego, gritos, berros, espanto, bagunça, ameaça, perigo, armadilhas, tormento, a morcega não podia esperar mais, eles deveriam encontrar outras colunas, outros vizinhos mais corteses e zelosos... A mãe levou seus detentos à revelia na esperança de um lugar para chamar de seu com as palavras “Lar doce Lar” antes de o sol brilhar e o galo cantar anunciando um novo dia na escola, na quadra e na coluna fria, bege e de concreto sem natureza: flora ou fauna. A proteção estava em se esconder e não ficar mais preso de ponta cabeça para crianças...

Jorge Barboza


Escritor e Colunista Social