Marrocos

Antes da lei 10.693 de 2003, o ensino da cultura e história africana no Brasil se limitava ao tema de escravidão brasileira. E por isso, estreio esta coluna com um texto próprio sobre um povo que tanto contribui e lutava pelos nossos Brasis:

Quando eu era criança nas terras vermelhas do Marrocos, minha vó com seus cabelos curtos e brancos sempre dizia-me: “O inferno é um lugar perdido no meio do Paraíso, por isso meu filho, quando estiver lá cuidado onde pisa, olhe bem nas grutas, sombras de arbustos e buracos na terra paradisíaca. Adão se perdeu assim e Eva também”.

Isso que vou lhe contar aconteceu no começo dos tempos, num tempo que Deus se movia a face das águas. Assim quem me contou foram os velhos marroquinos.

Era um dia lindo, ensolarado, Adão passeava pelo Jardim do Éden, quando a serpente chamada Aserá lhe disse: “Colha uma maça e coma”.

Com a cabeça o homem vacilou um pouco, acabou recusando lembrando o aviso de Deus sobre os frutos da Árvore da Sabedoria. Mas a Serpente era mais esperta e insistiu: “Colha e coma a maça, pois você deve se tornar a mais belo dos homens desta terra”.

“Mas não há outro homem aqui”, respondeu tremulo Adão.

Aserá riu se retorcendo e sibilou: “Há e você sabe. Por isso Eva o deixa tanto tempo sozinho diante da Arvore da Sabedoria”.

Adão já com os olhos cheios de lágrimas, sem cor, perguntou: “E onde ele está”?

“Adão, ela não merece sua dor”, falou a serpente.

Adão limpou o rosto e forçou um sorriso.

“Siga-me”, sibilou Aserá que subiu uma colina verdejante, alta, parando de frente a um poço de águas claras e calmas.

“É nesta caverna que ela esconde o outro homem, olhe e confirme sua dúvida”, disse a serpente.

Adão debruçou-se e viu um lindo homem, cabelos compridos, brilhantes, não sabia que era seu reflexo, temeu, então voltou chorando a Árvore da Sabedoria, e devorou um dos seus frutos.

O leão, a girafa e o antílope chegaram, e logo vieram Eva e Deus também.

Deus afagou a própria barba e calmamente perguntou: “Quem comeu do fruto da sabedoria”?

Adão respondeu: “Eva”.

“E quem te autorizou Eva?”, perguntou mansamente Deus.

“Ninguém, acabei de chegar, não sei de nada e o Senhor é o chefe, então chefe não erra”, respondeu chorando Eva.

(este texto faz parte do livro "Essas Mulheres"  lançado recente pelo clubedeautores.com.br)

Jorge Barboza

Escritor e Colunista Social