sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O Pires

Era uma vez uma Maria Gato grávida de seu terceiro filho, morena clara, sorriso singelo, corpo cansado, morava em um barraco colorido no alto morro. Um lugar de vista privilegiada, onde a natureza deixava cantar os sábias e as plantas crescer largamente...
Um domingo, Dona Gato ganhou uma rosa branca de uma vizinha, como tudo que ganhava cuidou com carinho e plantou do lado direito da porta do barraco.
Esqueci de falar, Maria estava com a grana curta, o estrito para o necessário, ela tinha um desejo enorme de tomar leite em um pires, saliva só em imaginar o leite caindo delicadamente na louça pequena em forma de prato pequenino... Sonhava com isso e às vezes, só às vezes, ficava triste, não tinha dinheiro para um pequeno luxo, a maioria das coisas do barraco precisava de consertos, de reparos, de remendos, de troca por novo... Nesse tempo peças avulsas eram caríssimas e ainda não haviam as lojas de um real ou coreanos como hoje em lojinhas em cada esquina, bairro, rua...
No dia seguinte, uma segunda-feira, apareceu uma doce velhinha na porta de Maria Gato e ela desejava uma muda da rosa. A rosa branca virou uma trocha enorme de flores da noite para o dia e sem pestanejar a gentil grávida cortou um galho da roseira e deu pra velhinha doce que agradecida tirou de um bolso do casaco marrom um pires e começou sua história:
- Quando eu era moça, muito moça, eu não era muito bandoleira, casei com “um deus que se deseja e se teme ao mesmo tempo”, fui fiel e ele foi fiel comigo. Todo dia 12 de cada mês comemorávamos nosso amor e nossa paixão com um jantar à luz de velas e uma rosa branca no centro da mesa, tivemos dez filhos, vinte e quatro netos entre tantos outros bisnetos e até tataranetos... Mas recentemente ele ficou doente, morreu, assim a aprendi a ficar só, ou quase, aprendi a tricotar, costurar e procurar uma rosa branca para substituir a xícara que quebrou com meu amor, meu eterno marido, presente de meu casamento com mais de cinquenta anos, prova que o amor resiste ao tempo de “um deus que se deseja e se teme ao mesmo tempo”.
Depois da história, Dona Gato matou seu desejo por leite em um pires e a doce velhinha voltou a sorrir...

Jorge Barboza

Colunista Social. Escritor. Revisor.

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