Quando finalmente apagou as velas de seu candelabro, a rainha não
dormiu, sentia falta de algo, não era o breu nem era o silencio. Virava de um
lado a outro na sua memória, o caminho era difícil até Branca de Neve. Quando o
rei morreu, a soberana enfrentou algumas dificuldades, mas a enteada deu-lhe
toda credibilidade. Com isso, o povo e os nobres acabaram respeitando-a e os
clericais com seus narizes tortos por fim também. A moça sempre fazia o que a
rainha pedia, mesmo nas últimas horas do dia ou com os primeiros raios solares.
O que serviçais demoravam ou enrolavam muito a fazer, Branca de Neve com
criatividade fazia com brevidade. As refeições eram serenas.
Com o passar dos anos,
a rainha e sua princesa mudaram para um castelo menor com cinco serviçais de
intensa dedicação e confiança. Pois o velho castelo tinha fantasmas de guerra e
um luxo trabalhoso de se cuidar. Um local muito abafado e sombrio para duas
damas. O novo castelo era um sonho de menina resultado de tratados econômicos e
da paz da região. O reino duplicava seus ganhos e suas produção à todos.
Silencioso e de longe por outras molduras passeava o
espelho mágico guardando o que há de bom em si. O caçador nunca o enganará nem
a rainha também.
O que mais incomodava a soberana dessas lembranças de prosperidade ainda aproveitadas era o último pedido de Branca de Neve: a clemência da rainha. Era tarde em sua memória, o sol iluminava tudo em tons de sépia, a rainha se transfigurava em velha bruxa corcunda, vestia um surrado manto roxo, trazia na mente um ódio incalculável e numa das mãos uma cesta palha cheia de maçãs. Parou na frente da casa dos sete anões, esperou muito tempo por isso. A floresta que até ali era todo barulho silenciou, calou-se para um prelúdio. A rainha disfarçou sua voz e quando tentava dar a segunda batidinha na porta foi logo convidada a entrar e a aguardar.
O que mais incomodava a soberana dessas lembranças de prosperidade ainda aproveitadas era o último pedido de Branca de Neve: a clemência da rainha. Era tarde em sua memória, o sol iluminava tudo em tons de sépia, a rainha se transfigurava em velha bruxa corcunda, vestia um surrado manto roxo, trazia na mente um ódio incalculável e numa das mãos uma cesta palha cheia de maçãs. Parou na frente da casa dos sete anões, esperou muito tempo por isso. A floresta que até ali era todo barulho silenciou, calou-se para um prelúdio. A rainha disfarçou sua voz e quando tentava dar a segunda batidinha na porta foi logo convidada a entrar e a aguardar.
A moradora ajeitava incessantemente uma cortina nas
janelas da sala. Branca de Neve tinha um pano protegendo os cabelos e as roupas
desgastadas pelo trato da casa. A casa
toda estava um brinco. Branca de Neve estava suja, muito suja e desalinhada por
isso. Nem de longe nem perto lembrava uma princesa. Não reclamava de nada,
fazia gosto em receber a visita, serviu-lhe água, fez bolinhos de chuva e um
cafezinho fresquinho para seus divertimentos de fim de tarde. As duas contavam
historias do passado e do presente como velhas amigas. A princesa comprou até
umas maçãs para ajudar a pobre velhinha a sua frente. Não precisa de nada. Já
estava acostumada a ser submissa.
Faltava-lhe astúcia.
A rainha ainda disfarçada e grata ofereceu-lhe um
presente dizendo:
- Tome, meu bem, uma maçã mágica...
Ingênua, a princesa, respondeu:
- Não vai fazer-lhe falta?
- Não, meu bem, vejo que precisa mais do que eu
(estava sendo sincera). Pense bem forte o que mais deseja dessa vida. Você é
jovem deve ter um sonho secreto. Um amor proibido...
- Eu não sei se devo...
- E só dar uma mordidinha nesta maça mágica é pronto.
- Isso vai fazê-la feliz?
- Isso não importa agora, meu bem, peça de uma vez...
- Está bem, eu desejo que a minha madastra, a minha
rainha, me perdoe toda inveja que alimento dela, de sua candura, de sua beleza
e de sua inteligência...
Depois de seu pedido,
Branca mordeu e engoliu a maçã tão rápido que a soberana não pode impedí-la
aceitando as suas desculpas. Não pode ver onde foi parar o resto da maça
enquanto segurava à morta, pedindo desculpas, prometendo um novo tempo, falando
de sua vergonha e de sua gratidão tardia. Não havia nada a fazer ali. A rainha
deitou a princesa delicadamente no sofá jurando que descobriria uma cura para
seu mal. A maçã resolveu esconder-se atrás de um dos moveis da cozinha e a
floresta foi coberta de neve de repente. A natureza anunciava sua
solidariedade.
A rainha chorando muito e descontrolada voltou a sua
jovialidade normal. Correndo alcançou ao castelo. Despencou as masmorras.
Revirou horas a fio consultando seus livros de magia e só encontro uma solução
para a vida perdida: um primeiro beijo de amor. A fome não lhe incomodava nem a
sede. Não tinha cabeça para isso. Pensou em se matar e assumir toda culpa do
mundo. Primeiro tinha que cuidar dos pobres e desafortunados. Devia escolher um
novo governante sério e honesto. Esqueceu-se de seu principal escudeiro: o
espelho mágico. E foi ter a madrugada pela primeira vez como conselheira.
Talvez uma bruxa do oeste ou uma fada? Foi assim que cansada e desgastada
fechou os olhos para turbulentos pesadelos.
O sol deu descanso para a rainha com nuvens cinzas e
raios distantes. A rainha despertou tarde e muito abatida. Era sexta-feira,
havia diligencias urgentes: a nevasca surpreendeu os plantadores e os
criadores; toda água do reino amanheceu congelada; mercadores e compradores
chegavam depois do almoço; e populares aguardavam audiências no fim da tarde.
A soberana tentou se acordar sem água, arranjou-se com
um pouco de colônia, arrumou-se lentamente com ajuda de uma serviçal, não
queria, mas teve que embonecar-se para disfarçar as profundas olheiras, a
cabeça ainda tonta, o estomago que remexia muito, sentiu uma fraqueza de ter
tremedeira, comeu uma maçã e lembrou-se desapontadamente de seu crime na tarde
passada.
Antes que todos soubessem a rainha mandou uma patrulha
para a floresta com um médico dentista até que pudesse contar a verdade e se
preparar para um julgamento público. Ela trabalhou, trabalhou, almoçou tarde,
trabalhou novamente e trabalhou mais até que veio a boa noticia: Branca de Neve
sofreu um atentado, mas resistira com ajuda de um príncipe. Ele não usou de
traqueostomia, mas de um beijo que aspirou ao que fechava a glote da princesa.
Por que a rainha não pensou nisso antes, agora era hora de comemorar e
prepare-se para uma conversa sincera e conciliadora que não inspirou muitas
histórias, mas valia todo esforço para mudar o amanhã do reino e seus
moradores.
Jorge Barboza
Escritor e Colunista Social
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