Em
1998, com o sucesso da novela “Explode Coração” de Glória Peres, eu ganhei uma
mãe cigana: Marlene Airam. Uma pessoa que sempre ensinou muito e apesar “do
sol, da chuva, do vento” não parava de fazer arte. E com muito orgulho que faço
está humilde homenagem a quem me deu tanto sem cobrar e sempre me disse: “A
primeira coisa na sua vida são seus estudos, depois o trabalho e a família, e
por último: as artes”. Oh! Bexiga Lixa! E “Calado, porque você quieta tá
errado”. Optcha!
A
tempestade na beira do mar de repente inundou o ar de cinzas aquáticas, raios
quebravam as ondas e estrelas-do-mar subiam aos céus como coriscos. As
palmeiras quando não quebravam ao meio, sofriam muito dançando num vai e vem
louco, mas Marlene de roupas negras em cima das pedras não.
Quando
ela era jovem dizem que sua família impediu seu namoro com o amado primo,
jogando-a dentro de um barco pequeno com um único leme. Com muito esforço
Marlene viajou sozinha. Uma vez durante a viagem sentiu imensas dores na
barriga, rolava de um lado a outro, urrava por não entender os sinais do corpo,
queria pular do barco, arrancou alguns fios de cabelo enquanto pétalas
vermelhas saiam de seu interior, ela chorou, chorou e chorou. Depois acabou
perdendo o leme e chegou a esta praia deserta na época.
Essa
mulher era feita de rocha por sua determinação. Durante o dia, costurava redes
para derrotar o monstro do tédio e da insanidade. E a noite com uma sereia,
juntava conchas e areia, criava fortalezas, palácios e vários mundos. Criava
também vários bichos e danças.
Condenada
a praia Marlene se casou e vestiu o negro muitas vezes até que se acostumou com
isso. Tinha nessas areias seu paraíso e seus infernos, além de três filhos.
Não
sei quando foi, mas dizem que um dia ela vislumbrou de longe seu leme perdido,
então ela resolveu busca-lo. Marlene havia perdido a mãe. Olhando as mares,
disse-me: “ O que não me destrói me fortalece”.
A
mulher vestida de negro passava horas e até dias em cima das pedras olhando
profundamente os mares em busca do tesouro escondido. Marlene com isso deixou
suas tarefas, ganhou uma neta e depois terminou de criá-la.
Então
chegou a imensa tempestade e seus ventos que destruía tudo que a mulher criara
na praia: as danças, os bichos, os mundos, os palácios e as fortalezas.
Marlene
finamente decidida beijou a neta e cobriu-a de talentos e rompeu aquele
turbilhão, mergulho imensamente no mar, perdeu dias e noites lá, nadou-nadou e
com muita força pegou seu leme perdido.
Antes
de voltar do mar, ela sentiu uma dor imensa no pé direito dançando agradeceu nas
águas a tempestade pela joia perdida.
Já
na areia sem a tempestade com os primeiros raios solares, Marlene reparou bem
suas construções destruídas e com o leme nas mãos não tinha mais seu vozeirão,
mas a filha-neta com seu enorme carinho disse: “não se preocupe vamos começar
tudo de novo e quantas vezes forem necessárias”. Elas se abraçaram imensamente.
O tempo resolveu parar naquele instante.
Marlene
de roupas negras molhadas olhou bem o leme, sentiu um chifre no pé direito, não
tinha mais voz, olhou o céu em vivo azul, ouviu as gaivotas voando e a brisa
suave chamando, largou a neta e abraçou fortemente o leme como nunca e jogou-o
longe no alto mar.
(Este texto faz parte do livro ESSAS MULHERES de Jorge Barboza pelo clubedeautores.com.br)
Jorge Barboza
Escritor e Colunista Social
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