Quando cortou os cabelos
naquela tarde de quinta-feira Asur se sentiu mais leve, finalmente havia
começando de novo e ainda da forma que queria, sem tantos problemas e ciclos. O
mundo desde que nasceu vive em transformação e ele também.
O círculo era sua forma
preferida e cobria todas as lapelas, golas, colares, pulseiras e sandálias. O
jovem sacerdote sabia que o circulo simbolizava seu tempo e espaço, aprendeu
isso com uma águia que disse-lhe: “Sempre que olhamos para o horizonte, o
horizonte é um circulo. Quando faço um ninho, o ninho é um circulo. E quando
olhou suas janelas da alma, os seus olhos são círculos”.
Tinha os olhos de todas as
mulheres daquela aldeia, mas só lhe interessava os famigerados da princesa Gota
de Mel, filha do último faraó. Esta era uma delicia de mulher, cabelos como
ébanos, pele aveluda e dourada de sol, sorriso sempre farto e franco.
Às três da manhã
terminavam suas rondas, assim como o sono do sol atrás da serra. Lá longe, já
se podia ouvir à algazarra dos sabias e o galo no gargarejo. O povo dentro da
muralha já estava em festa no ritual matinal, uma imensa pedra bastimal com
dedos rosados, já terminava o café cheiroso de mesa suculenta de três emes:
mamão, melão e melancia; fora os pães frescos e outras guloseimas vindas direto
do forno de lenha coletivo.
Soldados e sacerdotes
dividiam assim por algumas horas suas manhãs, suas idéias e suas fés em
amistosa conversa matutina. Na madrugada do povo da muralha não havia melhor
amanhecer, mas havia outros sonhos para o jovem Asur já percorridos por outros
homens.
“Quando voares um dia por esses ares, andaras
com olhos grudados no céu onde deseja voltar e voar sempre”, dizia seu pai pelo
novo corte do filho.
Asur de tanto rondar
aquela muralha, de noite ou de dia, já conhecia todas as rachaduras, rasgos e
furos nas pedras que compunham aquela muralha longa, indestrutível e distante
da morte. Já possuía também todas as leituras da biblioteca central como
encantamentos, remédios e previsões. Assim como os esquadros das fontes e
regatos criados pelos hábeis arquitetos dessas pedras verdes.
Um dia, sabendo estar só e
não suportando mais a dor de uma perna quebrada, o pai de Asur lhe deu três
presentes e se lançou de um despenhadeiro branco de longas cachoeiras, esfumaçadas
no fim, girou no tempo e virou um arco da velha de colorido claro.
Uma íbis mandada pelo deus
hibrido das cascatas, cantou a noticia e Asur segurou forte os presentes
paternos contra o peito, faltaram lhe palavras, avermelhousse e cobriu o chão
de uma imensa chuva de lagrimas que o céu juntou-se escurecendo, titilando e
chovendo minúsculas folhas de água.
Asur não entendeu a mensagem
dos deuses e correu para casa fechando tudo a sua volta, portas, janelas,
frestas, enfim tudo que trouxesse luz durante os dias que seguiram.
No terceiro dia, a chuva parou,
mas a tristeza não e tornou o tempo nublado. O povo e a princesa Gota de Mel rezaram
aos deuses. Não demorou meio dia e do caminho arriscado para oásis sussurrante
surgiu a serpente, do caminho rápido do comercio de escravos surgiu o chacal e do
caminho lentíssimo da alma no horizonte cinza surgiu a águia.
Era só um deles falar com
Asur, mas nem um deles o fez, eles preferiram fazer bagunça. Brigaram com a
pedra bastimal com dedos rosados, derrubaram as roupas das mulheres nos regatos
e correram envolta dos soldados. As crianças sentadas assistiam e riam muito. O
barulho acabou chamando a atenção de Asur que abriu a porta, coberto de cinzas
e sacos, assim que passou da porta ele virou um grande falcão solar, que vôo e
longe dali brilhou asfaltando as nuvens e o céu cinzento, sem lágrimas como um
dia fez seu pai.
Jorge Barboza
Escritor e Colunista Social
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