quarta-feira, 20 de julho de 2016

O Sacerdote Falcão

Quando cortou os cabelos naquela tarde de quinta-feira Asur se sentiu mais leve, finalmente havia começando de novo e ainda da forma que queria, sem tantos problemas e ciclos. O mundo desde que nasceu vive em transformação e ele também.
O círculo era sua forma preferida e cobria todas as lapelas, golas, colares, pulseiras e sandálias. O jovem sacerdote sabia que o circulo simbolizava seu tempo e espaço, aprendeu isso com uma águia que disse-lhe: “Sempre que olhamos para o horizonte, o horizonte é um circulo. Quando faço um ninho, o ninho é um circulo. E quando olhou suas janelas da alma, os seus olhos são círculos”.
Tinha os olhos de todas as mulheres daquela aldeia, mas só lhe interessava os famigerados da princesa Gota de Mel, filha do último faraó. Esta era uma delicia de mulher, cabelos como ébanos, pele aveluda e dourada de sol, sorriso sempre farto e franco.
Às três da manhã terminavam suas rondas, assim como o sono do sol atrás da serra. Lá longe, já se podia ouvir à algazarra dos sabias e o galo no gargarejo. O povo dentro da muralha já estava em festa no ritual matinal, uma imensa pedra bastimal com dedos rosados, já terminava o café cheiroso de mesa suculenta de três emes: mamão, melão e melancia; fora os pães frescos e outras guloseimas vindas direto do forno de lenha coletivo.
Soldados e sacerdotes dividiam assim por algumas horas suas manhãs, suas idéias e suas fés em amistosa conversa matutina. Na madrugada do povo da muralha não havia melhor amanhecer, mas havia outros sonhos para o jovem Asur já percorridos por outros homens.
 “Quando voares um dia por esses ares, andaras com olhos grudados no céu onde deseja voltar e voar sempre”, dizia seu pai pelo novo corte do filho.
Asur de tanto rondar aquela muralha, de noite ou de dia, já conhecia todas as rachaduras, rasgos e furos nas pedras que compunham aquela muralha longa, indestrutível e distante da morte. Já possuía também todas as leituras da biblioteca central como encantamentos, remédios e previsões. Assim como os esquadros das fontes e regatos criados pelos hábeis arquitetos dessas pedras verdes.
Um dia, sabendo estar só e não suportando mais a dor de uma perna quebrada, o pai de Asur lhe deu três presentes e se lançou de um despenhadeiro branco de longas cachoeiras, esfumaçadas no fim, girou no tempo e virou um arco da velha de colorido claro.
Uma íbis mandada pelo deus hibrido das cascatas, cantou a noticia e Asur segurou forte os presentes paternos contra o peito, faltaram lhe palavras, avermelhousse e cobriu o chão de uma imensa chuva de lagrimas que o céu juntou-se escurecendo, titilando e chovendo minúsculas folhas de água.
Asur não entendeu a mensagem dos deuses e correu para casa fechando tudo a sua volta, portas, janelas, frestas, enfim tudo que trouxesse luz durante os dias que seguiram.
No terceiro dia, a chuva parou, mas a tristeza não e tornou o tempo nublado. O povo e a princesa Gota de Mel rezaram aos deuses. Não demorou meio dia e do caminho arriscado para oásis sussurrante surgiu a serpente, do caminho rápido do comercio de escravos surgiu o chacal e do caminho lentíssimo da alma no horizonte cinza surgiu a águia.

Era só um deles falar com Asur, mas nem um deles o fez, eles preferiram fazer bagunça. Brigaram com a pedra bastimal com dedos rosados, derrubaram as roupas das mulheres nos regatos e correram envolta dos soldados. As crianças sentadas assistiam e riam muito. O barulho acabou chamando a atenção de Asur que abriu a porta, coberto de cinzas e sacos, assim que passou da porta ele virou um grande falcão solar, que vôo e longe dali brilhou asfaltando as nuvens e o céu cinzento, sem lágrimas como um dia fez seu pai.

Jorge Barboza
Escritor e Colunista Social

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