segunda-feira, 2 de abril de 2018

A princesa Autista



            Muitos anos atrás quando ainda não se falava em reciclar e em ecologia, havia um reino pacato que sua constituição prezava com descontos de impostos a reutilizar os materiais variados. Para dar exemplo, sua rainha fez atrás do seu trono uma linda nave de garrafas coloridas de vidro e assim começa nossa saga...
            Ao colocar a última garrafa verde em sua nave, a rainha sentiu surgir um aroma doce, suave, bom, agradável, delicado como um vinho maduro, gostoso, saboroso de uvas recém colhidas, juntas lentamente, quase amassadas no início da confecção do mais famoso vinho de sua principal adega...
            Meses a fio esperava por este espetáculo vitral que coincidiu com o parto de sua filha, a princesa autista, linda como só ela...
            Aos cinco anos de idade, a princesinha ouvia um miado, uma campainha, um latido ou qualquer som absolutamente distante ficava parada, pensando, lendo, digerindo, devorando, degustando os sons juntos ou separados até bater palmas e colocar todos os sons nas suas ideias e, consequentemente, no lugar na sua mente...
            Aos sete anos, ela ficava por horas sem piscar, sem pestanejar, sem reclamar, sem fazer ruídos, sem espasmos, compenetrada nos rodomoinhos e espirais dos modernos arranjos do castelo quase velho...
            Com quinze, a princesa não quis baile nem festa, nem recital, queria pintar tudo: portas, maçanetas, janelas, salas, quartos, banheiros, cozinhas, jardins, tudo que via por perto do castelo.
            Com certeza não havia tempo ruim, pois todo dia era um dia bom para Princesa Autista guardar, colher, mostrar, recolher, reconhecer, desenhar, costurar, rasgar, viver, morrer, para se reinventar sem algazarras, sem guerras, só pelo simples prazer de fazer o bem sem importar com quem e como...

Jorge Barboza
Escritor. Colunista Social.

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