Não lembro onde e nem como
foi o velório de minha vó Lourdes. Não fui no velório de minha vó Isabel. Não
gosto de ver entes queridos no caixão, vê-los assim pela última vez é ter uma
lembrança incomoda que aos pouco torna esmorecidos, devagar e pra sempre dentro
de mim...
Já era tarde quando o
jornalismo anunciou que houve uma explosão no cemitério da saudade: Imensa
nuvem de poeira substituiu a paz da morada final, não houve feridos...
Desliguei a televisão e na
minha mente surgiu um devaneio, um cheiro doce, acho que foi um cálice de vinho
verde que embriagou minha boca, minha cabeça, meu sangue, minha alma...
No meu devaneio, Dona Morte sempre
estava ao meu lado esquerdo, traje preto longo, foice escura, pálida, estava
indignada com tamanho sacrilégio, seu queixo caiu imensamente e seus olhos não
paravam em suas orbitas, lágrimas corriam como rios para o mar e sua boca secou
como nozes.
Ela apanhou na mesa de
centro da sala o primeiro copo que viu e virou de uma só vez, não respirou, não
respirava, pensava em levantar, fugir, correr, gritar... Finalmente virou-se
para mim e disse sem fechar os olhos:
- Antigamente eu passeava no
cemitério ricamente adornado de ouro e pedras preciosas, esculturas de deuses,
flores, pássaros e plantas enfeitavam tudo na morada final. O vale dos
enterrados era um lugar sagrado. Lia pensamentos carinhosos dos vivos, apelos
aos santos, ouvia o vento ou um silêncio que não era mórbido. Meus pensamentos
mais sublimes ou convexos podiam ser tocados como uvas em baixa parreira com
dedos inaptos. Que desgraça se abalou em mim? Que desgraça terei que sofrer no
meu castelo de cartas marcadas? Porque explodiram os vasos, as esculturas, as
plantas, os túmulos, os ossos... O que será de meus filhos?
A Morte olhou para mim entre
soluços e caiu pra trás na poltrona, queria tirar forças do chão e do teto
branco, olhava agora o teto de gesso branco, vacilava em si, eu senti imensa
pena de vê-la assim. A vida não para...
De repente o cheiro doce
sumiu, partiu, Dona Morte foi pra longe ou pra perto, precisava de um calmante,
uma terapia e remontar e começar de novo. Eu tive a certeza depois que das
cinzas nasceu uma pequena fênix no cemitério, tudo principiou com velas no
lugar dos escombros, depois, o cemitério da saudade queimado ganhou novas
pedras e paus, um novo labirinto de pedras riscadas, certa magoa que custava a
passar de geração a geração...
Jorge
Barboza
Colunista
Social. Escritor. Revisor.
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